A tarde vinha morna, quase triste, daquelas em que até os cortinados parecem suspirar. Os ombros de Larita traziam o peso de reuniões vazias e filas sem destino. Com um suspiro, deixou cair a mala no chão.
— Hoje... vamos jogar.
Loira, cadela de alma dourada, cheirando a sol e chão quente, ergueu-se num salto que sacudiu almofadas, memórias e pó. Ginger, o gato laranja, nem pestanejou. Cookie, loiro e teatral, desapareceu como um ator sem fala.
— Um... dois... três... macaquinho do chinês!
Virou-se. Loira estacada, mas o chocalho da coleira ainda sussurrava no ar.
— Estás fora... — sorriu Larita, como quem reaprende a brincar.
O soalho rangia, os móveis respiravam. A luz tingia o chão de laranja derretida. O ar sabia a almofadas gastas e tardes cheias de vago.
Nova ronda.
— Um... dois... três... macaquinho do chinês!
Cookie avançava como sombra em missão. Ginger desaparecera do tapete.
Do relógio, um tilintar seco. Lá fora, uma buzina esquecida.
— Um... dois... três... macaquinho do chi—
Miau.
Um som. Breve. Quase irreal.
Larita ficou imóvel. Teria ouvido mesmo?
Virou-se devagar. Lá estava ele.
Ginger, em cima do encosto do sofá, com uma pata no seu ombro. Olhos calmos. Bigodes firmes. Corpo leve como quem reina sem ruído.
O tempo parou. Depois explodiu em gargalhadas.
Loira, emocionada, correu e enroscou-se contra Larita, quente e viva como abraço esquecido. Cookie saltava, vitoriosa por associação.
E então — sem alarde — a tristeza, aquela senhora silenciosa de fim de tarde, levantou-se do canto e saiu pela porta da varanda.
"Há dias em que perder para um gato é a vitória mais elegante que se pode ter."